E hoje fica mais perto do mundo voltar ao normal. A partir de amanhã, voltaremos a normalidade e a rotina do dia-a-dia. Depois de quatro dias de total paralisação, retornaremos a vida real. Ficará para trás a doce ilusão de que não existem problemas, de que o mundo é perfeito e só temos mesmo é que aproveitar a vida. Resta agora para muitos o cansaço, as dívidas, as ressacas, os choros, as lembranças dos momentos “bons” que acabaram, as percas, enquanto que para outros, resta o alívio de poder olhar para os dias passados e perceber que optou por fazer uso destes para descansar, ler, assistir bons filmes, dormir, conversar, e outras coisitas mais. Mas, como tudo na vida é uma questão de visão, essa é a percepção que tenho desses dias e respeito áqueles que vêem de forma diferenciada da minha.
Eu, particularmente considero que aproveitei bastante (concepção minha, claro). Sábado e domingo separei para descansar e o fiz de forma significativa, dormi bastante, mas bastante mesmo. Só dormi e assisti filmes, programa melhor impossível. Segunda e terça fiz o contrário, sai de casa, fui andar, fui ao cinema, me reuni com minha família e conversei o máximo que podia, se é que isso é possível pra mim (risos). Bem o fato é que como tudo passa, o período carnavalesco passou, tanto para os foliões , como também para não foliões. Agora, independentemente da escolha que fizemos nesses dias, temos que voltar a realidade e encarar a vida de frente, os obstáculos que sempre surgem e enfrentar a vida em sua forma nua e crua, como ela é, sem ilusões e sem muita subjetividades. Tudo muito claro e verdadeiro. É a lei da vida.
Pensando nesses quatro dias passados e nas mortes que houveram nesse período, em como neste momento têm famílias chorando a perda de seus entes queridos, lamentei, lamentei, lamentei e chorei. Voltei ao passado, mesmo relutando contra este pensamento que ora me assola e relembrei fatos e acontecimentos que há muito decidi apagar de minha mente. pensamentos que fizeram voltar à minha mente imagens reais, fantasticamente reais, que eu, de maneira inconsciente decidira extirpar de minha lembrança. E elas voltaram sem pedir licença, sem solicitar minha permissão. Simplesmente afloraram e eu não pude fugir. Me permiti assim, relembrar, relembrar, relembrar com carinho uma oportunidade rara que eu tive na vida, de ter conhecido alguém que foi mais do que especial pra mim. Alguém que perdi em um período como este e que me fez mudar a forma de ver, lidar, falar e amar as pessoas que estão ao meu redor. Alguém que há 20 anos atrás me ensinou muito, muito mesmo. Ensinamentos que enraizaram ao longo do tempo e que perduram até hoje e com certeza me fazem ser melhor, mesmo com todos os meus defeitos infindos que tenho. Essa pessoa me ensinou muito, mas não com sua morte, não, de forma alguma, mas com sua presença viva em minha vida.
Alguém que esteve ao meu lado, e que como ninguém, jamais demonstrou um amor tão fraterno , como o que sentia por mim. Alguém que de uma forma especial, diria que jamais vista, preocupou-se comigo, esteve ao meu lado (e ao lado de Júnior) em vários momentos difíceis e que jamais pediu nada em troca. Alguém que sempre estava feliz, bem humorado e que tinha a palavra certa para nos transmitir, mesmo que esta viesse carregada de humor, de brincadeiras e graciosidade. Alguém que eu não tenho a capacidade de descrever jamais, até porque isso já não adianta mesmo. Alguém que ainda me ensiina, mesmo sem estar presente em nosso meio. Fico pensando as vezes e não me perdôo por isso, quantas oportunidades tive de demonstrar o quanto ele era importante pra mim e não o fiz. Tive a oportunidade de dizê-lo, que ele era um amigo (cunhado) mais chegado do que um irmão, mas não disse e lamento deveras por isso.
Em razão disso é que hoje posso parecer piegas, melosa, emotiva demais, ingênua, para alguns até falsa, mas deixo de dizer às pessoas o que elas são e representam para mim. Pouco me importa. Posso até me arrepender de ter dito demais, mas jamais de não ter falado nada. Gente, meditem um pouco comigo, quantas pessoas passou na sua vida, que você admirava e gostava e que já se foram, sem jamais saber do seu sentimento por elas. Pensem ai po um minuto, o que fariam caso tivessem só mais uma oportunidade ao lado de tais pessoas, o que fariam, o que diriam, se ainda silenciariam, se omitiriam, se calariam. Meu Deus, quantas coisas deixamos de dizer por timidez, egoísmo, medo do que vão pensar de nós, medo de nos parecer fragilizados, medo de sermos sensíveis, medo, medo, medo... Não quero isso. Não posso permitir que o medo me impeça de ser humana, de ser emoção. Platão em seus estudos asseverava a importância da construção do conhecimento com base na conjugação do intelecto e da emoção, nunca só do intelecto. Não se pode se dissociar um do outro, ambos devem caminhar juntos. A razão não pode prevalecer em detrimento da emoção e nem tão pouco vice-versa.
De tanto pensar, e pensar, e pensar, e pensar, lembrei-me de um texto lindo, bastante utilizado na Psicopedagogia. Texto que sempre nos transmite a lição imprescindível para todo Psicopedagogo que se preza, a lição de “ver o invisível e ouvir o inaudível”. Quantas coisas nos é dita no silêncio, nos gestos, na omissão, na antipatia e não nos apercebemos porque estamos mais preocupados em responder do que em ouvir o que nos dizem, porque estamos mais preocupados no que estamos olhando, do que o que realmente deveríamos ver. Quantas coisas poodemos ver vendo, se simplesmente olharmos com outros olhos ou se simplesmente olharmos e vermos. Lições que ficam e marcam a nossa vida.
Acho que filosofei, já pude até rir comigo mesma, depois de tudo que escrevi, em vez de chorar (risos). Não sei porque cheguei até aqui com tudo isso, mas o fato é que para quem acompanha o Ad Finem diariamente sabe que tenho minhas divagações e me permito discorrê-las sempre. Para mim o Ad Finem foi criado e continua sendo, como uma espécie de terapia e vocês não imaginam como me sinto bem, quando me permito deixar teclar dessa forma. Quando o pensamento simplesmente flui e minhas mãos apenas obedecem ao meu pensamento, sem temor, sem tosquenejar, sem titubiar. Como sempre, não sei se alguém chegará até o final de todo este post, mas para os corajosos, ousados e talvez loucos, que se aventuraram até aqui, deixo para sua meditação o texto abaixo VER VENDO, de Otto Lara Resende. Vale a pena ser lido e refletido. As vezes as pessoas mais importantes de nossa vida deixamos escapar por entre nossos dedos, pelos simples fato de permitir que indiferença se instale. LEIA:
... De tanto ver, a gente banaliza o olhar... Vê não-vendo...
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver...
Parece fácil, mas não é...
O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade...
O campo visual da nossa rotina é como um vazio...
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta...
Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe...
De tanto ver, você não vê...
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio de seu escritório...
Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro...
Dava-lhe um bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência...
Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer...
Como era ele?
Sua cara?
Sua voz?
Como se vestia?
Não fazia a mínima idéia...
Em 32 anos, nunca o viu...
Para ser notado, o porteiro teve que morrer...
Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência...
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem...
Mas há sempre o que ver...
Gente, coisas, bichos...
E vemos?
Não, não vemos...
Uma criança vê o que um adulto não vê...
Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo...
O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê...
Há pai que nunca viu o próprio filho...
Marido que nunca viu a própria mulher (e desconhece os seus segredos e desejos), isso existe às pampas...
Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos...
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença...